CYSNEIROS, P. G. Novas tecnologias na sala de aula:
melhoria do ensino ou inovação conservadora?
O presente artigo nos proporciona
inicialmente uma trajetória acerca da história da tecnologia educacional e em
uma analise fenomenológica da relação ser humano - máquina - realidade, como
também aspectos da comunicação na sala de aula que podem ser transformados,
ampliados ou reduzidos com os recursos da informática.
Trata da tecnologia educacional, das
novas abordagens de comunicação na escola, mediadas pelas novas tecnologias da
informação. Possibilitando-nos uma reflexão sobre a inserção das mesmas nas
escolas, aonde apenas colocar equipamentos nas escolas, formar professores para
utiliza-las, não significa melhoria na qualidade de educação, de que as mesmas
estão de fato sendo exploradas de forma correta. Assim como também uma noção do
que vem a ser a multidisciplinaridade da informática na educação, da utilização
da internet, da informação, como as mesmas se articulam ao processo de educação.
HISTÓRIA DA TECNOLOGIA EDUCACIONAL
“Sua
principal conclusão é que o uso de artefatos tecnológicos na escola tem sido
uma história de insucessos, caracterizada por um ciclo de quatro ou cinco
fases, que se inicia com pesquisas mostrando as vantagens educacionais do seu
uso, complementadas por um discurso dos proponentes salientando a obsolescência
da escola (...) Em cada ciclo, uma nova sequência de estudos aponta prováveis
causas do pouco sucesso da inovação, tais como falta de recursos, resistência
dos professores, burocracia institucional, equipamentos inadequados.” (p. 13).
“Após
algum tempo surge outra tecnologia e o ciclo recomeça, com seus defensores
argumentando que foram aprendidas as lições do passado, que os novos recursos
tecnológicos são mais poderosos e melhores que os anteriores, podendo realizar
coisas novas, conforme demonstram novas pesquisas. E o ciclo fecha-se novamente
com uso limitado e ganhos educacionais modestos.” (p.14).
“Nossa
utopia é sempre tentar mudar a história futura para melhor, e não defendo
posições tradicionalistas ou contrárias à tecnologia na educação”. Vejo as
novas tecnologias como mais um dos elementos que podem contribuir para melhoria
de algumas atividades nas nossas salas de aula. (...) É um discurso tentando
nos convencer a dar mais importância a objetos virtuais, apresentados em
telinhas bidimensionais, deixando implícito que a aprendizagem com objetos
concretos em tempos e espaços reais está obsoleta. “ (p.14).
“No
Brasil percorremos uma história análoga, certamente mais recheada de
insucessos, como demonstram teses e dissertações sobre o tema. Também tivemos
uma política de rádio na educação, seguida de outras com grandes investimentos
nas televisões educativas em todo o país, sempre acompanhadas de discursos
inovadores”. (p.15).
“Atualmente
estamos vivendo um outro estágio, com uma política federal de se colocar 100
mil computadores em escolas públicas e treinar 25 mil professores em dois anos,
através do projeto PROINFO[xii] cujo ponto divergente de políticas passadas é a
intenção de se alocar quase metade do dinheiro para formação de recursos
humanos, procurando evitar os erros cometidos em programas deste mesmo governo
como o vídeo escola, onde a ênfase maior foi na colocação de equipamentos nas escolas.
“ (p.15).
“Apesar
de ter havido avanços, algumas falhas desta política já podem ser notadas, como
a ausência de articulação com os demais programas de tecnologia educativa do
MEC, especialmente com o vídeo escola, e com outros como educação especial.
Também não foi contemplada a formação regular de professores nas universidades,
principalmente aqueles que estão concluindo seus cursos e entrando no mercado
de trabalho.” (p.15).
“Várias
faculdades de educação de universidades públicas que estão ministrando cursos
de especialização para os professores que irão atuar como multiplicadores nos
Núcleos de Tecnologia Educacional (NTEs) do PROINFO, não dispõem de
laboratórios para trabalho com Informática Na educação. Finalmente, não existe
uma política de apoio a pesquisas que façam acompanhamento e deem suporte aos
NTEs que irão formar os professores da escolas beneficiadas.”(p.15).
INOVAÇÃO CONSERVADORA
“A
história da tecnologia educacional contém muitos exemplos de inovação
conservadora, de ênfase no meio e não no conteúdo. Devido ao efeito dramático,
sedutor, da mídia, em certos casos a atenção era concentrada na aparência da
aula, tomando-se como algo “dado” o conteúdo veiculado, seja na sala de aula
por transparências ou filmes, ou pela difusão ampla de conteúdos, através da
TV, do rádio ou mesmo de livros textos cheios de figuras, cores, desenhos,
fotos. “ (p.16).
“As
disciplinas de fundamentação também não ajudavam muito, ao preconizarem
princípios e leis gerais de aprendizagem e de ensino, sem focar a aplicação de
tais conhecimentos em conceitos específicos e sem a pesquisa sobre o ensino de
tais conceitos, que oferecesse ao professor indicadores da eficácia dos novos
meios e modos de apresentar o conteúdo.” (p.16).
“Atualmente
a inovação conservadora mais interessante é o uso de programas de projeção de
tela de computadores, notadamente o PowerPoint©, com o qual o espetáculo visual
(e auditivo) pode tornar-se um elemento de divagação, enquanto o professor
solitário na frente da sala recita sua lição com ajuda de efeitos especiais,
mostrando objetos que se movimentam, fórmulas, generalizações, imagens que
podem ter pouco sentido para a maioria de um grupo de aprendizes. (...) tais
tecnologias amplificam a capacidade expositiva do professor, reduzindo a
posição relativa do aluno ou aluna na situação de aprendizagem. “ (p.16).
“Vários
autores reconhecem que os usos educativos das tecnologias da informação na
última década - instrução assistida por computador (CAI), informações em rede,
aprendizado à distância - foram embasados em métodos pedagógicos tradicionais:
fluxo unidirecional de informações, tipicamente um professor falando ou
comentando imagens para alunas e alunos passivos.” (p.17).
“Um
excelente exemplo de inovação conservadora encontra-se em um belo livro de
Asimov [xiv], exibindo e comentando uma série de cartões produzidos por um
desenhista francês no final do século passado, imaginando o que seria a
sociedade do ano dois mil. (...) Há pouco tempo vi uma foto em uma revista
semanal de educação, provando que o desenhista estava certo, ilustrando uma
situação semelhante em uma escola paulista de elite, onde os alunos portavam
óculos de realidade virtual em lugar de fones de ouvido.” (p.18).
“A
presença da tecnologia na escola, mesmo com bons software, não estimula os
professores a repensarem seus modos de ensinar nem os alunos a adotarem novos
modos de aprender. (...) Um bisturi a laser não transforma um médico em bom
cirurgião, embora um bom cirurgião possa fazer muito mais se dispuser da melhor
tecnologia médica, em contextos apropriados.” (p.18).
INTERNET, INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO
“Outro
aspecto que pode confundir o educador é o discurso da necessidade da informação
(colocado por Seymour Papert [xvi], e por alguns conferencistas de congressos
de informática), que nos causa de inicio certa angústia ao concluirmos que a
escola não tem acesso imediato à enorme quantidade de informação que é
produzida diariamente no mundo.” (p.19).
“É
fácil concluir que a escola também está obsoleta, que a disciplina que ensina
está desatualizada, que os livros são antiquados, etc. Em tais horas, devido ao
sentimento de inadequação, não ocorre ao professor que o mais importante é o
ato de pensar com determinadas informações, não o acesso indiscriminado a qualquer
informação.” (p.19).
“Embora
a Internet seja um recurso com muito potencial para determinadas atividades
educativas, ela também pode ser mais um fator de colonialismo cultural, pois
estamos recebendo a informação daqueles que tem condições de colocá-la nos
computadores, reduzindo nossa presença e ampliando o alcance do poder de suas ideias,
com todos os fatores associados do formato hipertexto, da velocidade, de
multi-representações.” (p.20).
“Nesta
ótica, é muito importante que coloquemos tais máquinas nas mãos de nossas
crianças e adolescentes, porém sempre predominando o ato de educar, de examinar
criticamente - numa atitude freiriana -, aquilo que está lá. Onde a sabedoria
de um professor de uma escola rural, ou de um velho pescador da comunidade,
pode ser mais importante para a formação da identidade da criança e para a
sobrevivência da cultura do que toda a informação que é produzida diariamente
nos lugares sofisticados do planeta.” (p.20).
“Embora
devamos perseguir o ideal de uma aprendizagem estimulante e auto motivadora -
em salas de aulas ricas em recursos e com respeito à individualidade e
espontaneidade do aprendiz - sabemos que além do prazer da descoberta e da
criação, é necessário disciplina, persistência, suor, tolerância à frustração,
aspectos do cotidiano do aprender e do educar que não serão eliminados por
computadores.” (p.20).
UMA CONCEPÇÃO FENOMENOLÓGICA DA TECNOLOGIA
EDUCACIONAL
“A
Fenomenologia tenta abordar os objetos do conhecimento tais como aparecem, isto
é, tais como “se apresentam” à consciência de quem procura conhecê-los. (...)
Tal abordagem, embora pareça fácil, torna-se difícil pela enorme complexidade
da experiência humana. Como diz um ditado, o peixe é o último a descobrir a
água. “ (p.21).
“Nossa
experiência da realidade é transformada quando usamos instrumentos {Ser Humano
> (máquina) > Mundo}. Através do instrumento há uma seleção de
determinados aspectos da realidade, com ampliações e reduções. A amplificação é
o aspecto mais saliente e pode nos deixar impressionados, maravilhados, ao
experimentarmos coisas (ou aspectos de objetos conhecidos) que não conhecíamos
antes, com nossos sentidos nus. A redução, ao contrário, é recessiva e pode
passar despercebida, uma vez que não ocupa necessariamente nossa consciência,
impressionada com o novo. “(p.21).
“Uma
das conclusões de uma primeira análise fenomenológica superficial é que a
tecnologia não é neutra, no sentido de que seu uso proporciona novos
conhecimentos do objeto, transformando, pela mediação, a experiência
intelectual e afetiva do ser humano, individualmente ou em coletividade;
possibilitando interferir, manipular, agir mental e ou fisicamente, sob novas
formas, pelo acesso a aspectos até então desconhecidos do objeto”. (p.22)
“Dependendo
do objeto, do sujeito (mais ou menos crítico), de sua história e da situação
especifica, pode-se considerar as novas características ampliadas do objeto
como mais reais do que aquelas conhecidas sem a ajuda de instrumentos. (...)
Neste sentido, as realidades possibilitadas pelas novas tecnologias da
informação podem ser alienantes, como nos relatos dos viciados em computadores.”
(p.22).
“Para
ilustrar, examinemos superficialmente o uso mais comum de computadores, que é a
manipulação de textos. Que aspectos do objeto texto podem ser selecionados,
ampliados, reduzidos através do instrumento? O texto em papel (em átomos amplia
a permanência da escrita (não é facilmente modificável) e a comodidade de
manuseio pelo leitor, podendo ser transportado para qualquer lugar, colocado em
qualquer posição, riscado, dobrado, relido, compartilhado sem necessidade de
qualquer outro suporte auxiliar. (p.23).
“Já o texto eletrônico (em bits, segundo o autor
citado) é facilmente modificável e transportável sem as limitações de
distâncias, mas depende de um computador e de energia elétrica para ser lido;
também não é tão móvel como um conjunto de folhas de papel e não pode ser
riscado com tanta facilidade.” (p.23).
“Sandholtz,
Ringstaff & Dwyer [xxii], nos oferecem um dos raros relatos baseados no
cotidiano de vários professores de escolas norte-americanas saturadas de
tecnologia, durante cerca de uma década, assistidos por especialistas. (...)
Isto no entanto, não significa que não devamos iniciá-la, que o professor
desista de experimentar, de ousar. Lembro, por exemplo, de um jovem professor
de uma escola de periferia de Recife, que aos sábados levava seu computador
pessoal para a escola, compartilhando-o com um grupo de alunos. “(p.23).
O
texto em si nos aborda todas as questões relacionadas a uma construção de novas
formas de ensinar e de aprender, de conhecimentos novos, assim como também as
consequências dessas novas, aonde o professor como peça fundamental neste
processo deverá ter uma atitude permanente de tolerância à frustração e de
pesquisa não formal, de busca, de descoberta e criação. Descoberta de usos
pedagógicos da tecnologia já experimentados por outros, que exige comunicação,
troca, estudo, exploração. Criação no sentido de adaptação, de extensão, de
invenção. Aonde nesses processos o sucesso e o fracasso estarão sempre
presentes.
O artigo levanta vários questionamentos acerca
dessas novas formas de conhecimento. Falta de estrutura para abarcar essas
tecnologias, e de fato proporcionar um ensino de qualidade, falta de recursos,
de infraestrutura, de verba, de capacitação profissional, enfim levanta
questões a todo o momento sobre o que seja essa tecnologia, sua validação, até
que ponto ela pode ser considerada melhor ou não em relação á outra. Quais as
dificuldades encontradas na sua execução, assim como também questões sobre os
aspectos da comunicação na sala de aula, quais tipos de transformação que podem
acontecer.